Zezé Motta completou 70 anos de vida no último dia 27 de junho, sendo que, também em 2014, a atriz e cantora celebra 50 anos de uma vitoriosa carreira. Ela já gravou mais de uma dezena de discos, entre CDs e LPs, enquanto na dramaturgia, passou por quase todos os canais do Brasil, tendo iniciado como atriz na TV em 1968, no clássico “Beto Rockfeller”.
Dentre seus diversos trabalhos com sucesso entre o público, está o longa “Xica da Silva” (1976), história na qual, 20 anos depois, interpretou a mãe da personagem na novela homônima produzida pela extinta TV Manchete. Atualmente, está no ar em “Boogie Oogie”, novo folhetim das 18h da Globo, com autoria de Rui Vilhena.
Com tantos trabalhos e em meio a datas tão importantes, Zezé Motta vai lançar uma nova biografia. Pela primeira vez, não falará apenas sobre sua vida artística. Em entrevista exclusiva ao RD1, questionada se com 70 anos de idade é um bom momento para uma biografia, a veterana diz, após uma deliciosa gargalhada: “Está na hora, sim!”.
Confira a íntegra da conversa:
RD1 – Como pretende contar sua história? É difícil selecionar o que vai ou não para uma biografia?
Zezé Motta – Eu tenho um supervisor, né? Eu falo sobre a minha vida, mas tem uma pessoa supervisionando. Uma das coisas que me assustou muito, logo no primeiro dia, foi quando eu pensei ‘Fazer biografia é mole, o que eu quiser posso omitir, ou o que eu quiser posso maquiar”, e uma das primeiras coisas que o supervisor falou foi ‘Olha, pra fazer uma biografia, ou você fala a verdade ou você não faz, pois vai estar mentindo pra você e pros seus leitores e fãs, porque quem vai comprar essa biografia, é porque gosta de você’. Outra coisa, eu nunca pensei numa biografia, justamente porque tem que contar tudo! (risos). Já saíram alguns livros sobre minha vida, mas muito focados na carreira, e é a primeira vez que vou fazer realmente uma biografia, contando desde que eu estava na barriga da minha mãe. Então, está sendo muito doloroso, não imaginei que fosse tão difícil. Biografia é dedo na ferida!
RD1 – A senhora, inclusive, pensou em desistir da biografia…
Zezé Motta – É verdade! Na primeira entrevista, chorei muito, dormi muito mal. Passei a noite fazendo uma retrospectiva de tudo o que tinha dito durante umas cinco horas. Fiquei relembrando tudo o que eu tinha falado pra ver se eu tinha me arrependido de ter dito alguma coisa, e não necessariamente a meu respeito, pois a biografia envolve outras pessoas. Pensei ‘fulano vai ficar furioso comigo’! Foi uma tortura!
O Carlos Moonre (a especialidade dele é biografia e é o responsável pela da Zezé) escreveu a do ativista nigeriano Felo Kuti, e, quando eu comentei que estava indecisa sobre seguir adiante, ele disse ‘você tem todo o direito de desistir, isso passa pela cabeça de qualquer pessoa que está fazendo uma biografia’. Ele fez a dele, e falou ‘passei por isso, sei como é, só acho que você tem uma história tão rica e tanta experiência pra passar, tanta coisa pra contar de superação e perseverança, que você não tem o direito de privar as pessoas!’ (risos). Ele me convenceu de que eu deveria continuar. Foi muito difícil, sofri porque é como dedo na ferida mesmo. E tem momentos maravilhosos, né? A gente lembra das coisas boas.
RD1 – Considera um privilégio ter tido a oportunidade de atuar em produções que marcaram época, como quando participou das versões para o cinema e TV de “Xica da Silva”?
Zezé Motta – Sem dúvida nenhuma. Tenho a impressão, sobre Xica da Silva, que qualquer atriz do mundo gostaria de fazer uma personagem tão rica como ela. Inclusive, acho que é uma coisa inédita, pois fiz a Xica no cinema e, depois, a mãe da personagem. Não me lembro de nenhuma história assim na vida de outra atriz.
RD1 – A senhora escolhe seus papéis? O que faz com que aceite um convite?
Zezé Motta – Olha, tem uma realidade que… eu preciso trabalhar! (risos) E isso pesa muito na balança. Depois de tanto tempo, eu realmente consegui o respeito, as pessoas me convidam para os trabalhos. É claro, tem uns personagens que te deixam mais apaixonados que outros, né?
RD1 – Com um currículo tão vasto, a senhora já trabalhou em praticamente todos os canais do país. As pessoas miram muito a Globo, mas o mercado tanto de séries quanto de filmes cresceu bastante. É mais fácil ser ator hoje em dia?
Zezé Motta – Essa coisa de ter outras opções, é bom pra todos nós, é bom pro ator e pro telespectador de um modo geral, por não ter somente um canal. Sempre que alguma outra emissora está investindo, seja em novela, musicais, documentários, enfim, eu sempre fico torcendo pra que dê certo!
RD1 – Todo mundo diz que não, mas a senhora tem um papel que considera o mais marcante da carreira?
Zezé Motta – Xica da Silva é hors concours, né? Sem dúvida nenhuma! Agora, em televisão, um dos personagens que me marcou muito foi a Sônia de “Corpo a Corpo”, porque foi uma novela que discutia o racismo, e a função da mulher. O Gilberto Braga foi muito importante porque finalmente a questão da discriminação racial no Brasil foi discutida em horário nobre e num veículo importante como a Rede Globo.
RD1 – No “Na Moral”, a senhora emocionou muita gente por ter dito que sofreu preconceito do público exatamente nesta novela, “Corpo a Corpo”, por contracenar com Marcos Paulo, um ator branco. 30 anos depois, é possível dizer que o preconceito está menor, igual, ou mais disfarçado?
Zezé Motta – Muito difícil de avaliar a questão do preconceito no Brasil, ninguém se assume como racista, né? O brasileiro tem vergonha, tem preconceito de ter preconceito talvez porque, inconscientemente, não se dá conta de que é uma contradição, já que o Brasil é tão miscigenado, são raras as pessoas que podem se declarar brancas, enfim, que não têm uma mistura lá atrás com índios, com negros. Eu lembro quando Caetano Veloso cantou aquela música “Eu Sou Neguinho”, que ele diz que tem sangue de negro, muita gente ficou preocupada, pensando ‘pô, se Caetano é neguinho, será que eu também sou?’ (risos). Então, sem dúvida nenhuma, de alguns anos pra cá, inevitavelmente, toda a sociedade brasileira está tendo que rever seus conceitos e refletir, pois esse assunto deixou de ser tabu, tem sido debatido, denunciado, e eu acho que a televisão e a mídia em geral têm papel importante, porque a partir do momento que você vê um negro com um personagem de destaque e desempenhando bem seu papel, como os atores negros que têm oportunidade de mostrar o seu talento, isso facilita muito e ajuda principalmente essa nova geração, pra ver que existem outras opções na vida sem ser o tráfico. Ver um ator fazendo papel de médico, pode ser dentista, arquiteto, engenheiro, isso é muito importante pra essa geração! Eu recebo muitas cartas, não somente de gente que quer ser atriz, não, de negros e negras que pretendem fazer curso superior, ter um título de doutor —a maioria quer ser ator mesmo. Mas eles têm funções em diversos segmentos, e dizem que o fato de eu ter batalhado, eu e outras pessoas, sendo negra e tendo conseguido, é um estímulo para eles, para continuarem sonhando e batalhando.
RD1 – O Heraldo Pereira, por exemplo, ganhou repercussão por ser o primeiro negro apresentando o “Jornal Nacional”, e isso realmente demorou pra acontecer..
Zezé Motta – No dia seguinte, não me lembro se jornal ou revista, ligaram pra mim perguntando o que eu achava de um negro no “Jornal Nacional” e eu falei que ‘eu acho que se ele esta lá é porque tem competência pra isso!’ (risos) A cor é apenas um detalhe.
RD1 – Sebastiana, sua personagem em “Boogie Oogie”, tem um filho que contou com a ajuda dos patrões para se formar. Ela é o tipo de personagem que guarda um segredo, por isso a ajuda, ou é fruto do bom relacionamento entre patrão e empregada?
Zezé Motta – Pelo bom relacionamento entre patrão e empregada, mas o fato de ele ter conseguido fazer um curso superior, no futuro, ele vai ter problemas com isso. Vai causar polêmica, mas eu não posso entrar em mais detalhes (risos).
RD1 – Rui Vilhena é estreante em novelas no Brasil, em trabalho solo. Como tem sido atuar em uma produção dele?
Zezé Motta – Eu ainda não posso dizer. A minha personagem, por enquanto, está muito tímida porque o Rui não sabia quem iria fazer a Sebastiana, e, agora que ele sabe que sou eu, ele falou que está empolgado com isso e que a personagem vai crescer. Tenho até o capítulo 24 e a impressão que eu tenho, quer dizer, tenho certeza que vai ser um sucesso essa novela! Gosto muito do texto, da trilha sonora, o elenco tem grandes atores e atrizes, tem tudo pra dar certo! Independente de ser a primeira novela dele, acho que ele vai fazer um gol!
RD1 – E sobre as comemorações em razão dos seus 50 anos de carreira e 70 de vida?
Zezé Motta – Vão montar uma peça contando minha vida, e sei também que o roteiro é do Rodrigo Murat, que já escreveu um livro sobre minha vida, que é o “Muito Prazer — Zezé Motta”, e direção de Luiz Antônio Pillar. Está em fase de captação de recursos e vai sair quando eu tiver 71, em 2015 (risos).
Também estou procurando uma editora para o livro e patrocínio para o próximo trabalho de música. Um já está na captação de recursos, que é o “Zezé no Coração do Brasil”, uma releitura de músicas que marcaram minha vida. O outro, que está na gaveta há quase dez anos, é “O Samba Mandou me Chamar”, que eu estou sonhando que o samba me chame e até agora nada, mas eu não desisto! (risos)
RD1 – Ainda não virou um pesadelo, continua um sonho?
Zezé Motta – Exatamente! (risos)